
A Religião Como Ferramenta de Dominação: Quando o Cristianismo se Torna a Nova Corrente da Escravidão Africana
“Não precisamos da religião para estar unidos ao divino. Nós somos a própria semelhança de Deus.”
Por Bastão de Nzinga
1. O Sol que Não se Cobre com a Peneira
Durante séculos, o cristianismo foi apresentado ao povo africano como o caminho da salvação — a luz que viria dissipar a “escuridão espiritual” do continente. Mas a história mostra outra face dessa narrativa: a religião cristã foi — e continua a ser — uma das principais vias de discriminação, subjugação e alienação dos povos pretos.
É duro admitir, mas necessário: a religião, usada como arma ideológica, foi o cavalo de Troia que abriu as portas da África à escravidão, à dominação cultural e ao apagamento das nossas tradições espirituais.
2. A Justificação Divina para a Escravidão
Sob o pretexto de “levar a salvação e o conhecimento da verdade”, missionários e colonizadores europeus justificaram séculos de escravidão, violência e estupro contra o povo africano. A Igreja — enquanto instituição — não foi apenas conivente, mas cúmplice ativa deste sistema de opressão, recebendo ordens, bênçãos e diretrizes diretamente de Roma.
Os europeus vieram a África há mais de 500 anos com o falso propósito de nos salvar. Disseram que estavam a trazer a “verdade” e a “luz de Deus”, mas o que realmente trouxeram foi morte, violação e destruição espiritual. Apagaram culturas inteiras e desacreditaram os nossos deuses, os nossos rituais e as nossas formas próprias de conexão com o divino.
E o mais alarmante é que esse discurso ainda se repete hoje. Muitos europeus, americanos e até brasileiros continuam a olhar para a África como uma terra “sem Deus”, um território de bruxaria e perdição. Mas, ironicamente, basta olhar para os países que se dizem “cristãos” — como o próprio Brasil — e ver a realidade: violência extrema, chacinas diárias, prostituição, desigualdade, miséria e ausência total de amor ao próximo.
Como é possível alguém afirmar que a África precisa de Deus, se nas suas próprias terras reina o caos? Como é possível, depois de 500 anos de evangelização, ainda dizer que o povo africano não conhece o divino? Então o que foi feito aqui durante todos esses séculos? Que “salvação” foi essa que deixou o continente sangrar?
Essas contradições provam que a religião — em especial o cristianismo colonial — não veio salvar a África, mas sim controlá-la. Veio destruir a nossa espiritualidade, distorcer a nossa essência e criar um povo dependente de um Deus estrangeiro.
E por que querem tanto subjugar a África? Se nós, africanos, nunca impusemos a nossa espiritualidade a outros povos, por que o Ocidente insiste em impor a sua? A resposta é simples e dolorosa: porque o controle espiritual é o último elo da escravidão. Enquanto o africano acreditar que o seu Deus é o Deus do outro, continuará a viver ajoelhado, e nunca de pé.
3. As Novas Formas de Escravidão Espiritual
As guerras religiosas, os fanatismos, e os discursos de ódio mascarados de evangelização continuam a matar em silêncio, dentro e fora de África. Episódios recentes mostram que o preconceito contra a espiritualidade africana permanece vivo.
Um exemplo claro foi o caso de uma missionária brasileira, que esteve em Angola e declarou publicamente que quase entrou em depressão e tentou tirar a própria vida por “ataques espirituais” sofridos no país, chamando os angolanos de “feiticeiros e bruxos”.
Essas palavras são mais do que uma ofensa: são um insulto à espiritualidade africana, ao nosso povo e à nossa dignidade ancestral. São o reflexo da arrogância colonial que, disfarçada de missão religiosa, continua a demonizar o que é africano e sagrado, perpetuando o mesmo discurso racista que sustentou o tráfico de escravos e o genocídio cultural do nosso continente.

4. O Silêncio dos Cristãos Africanos
O mais preocupante é o silêncio da classe religiosa africana. Poucos líderes se pronunciaram diante dessa ofensa. Esse silêncio mostra o quanto a mentalidade colonial ainda habita nos templos e nos púlpitos da África.
Continuamos, por via da fé cristã, debaixo do chicote espiritual dos mesmos que nos escravizaram. E o pior: muitos dos nossos próprios irmãos se tornam cúmplices, defendendo instituições que humilham sua própria gente.
Talvez, no fundo, esse silêncio seja também um reconhecimento inconsciente de que a “força divina” que veneram não tem ligação com a nossa terra, nem com os nossos antepassados. Ou talvez, como em tempos antigos, seja apenas mais uma estratégia de poder: transformar a dor africana em espetáculo para arrecadar seguidores, ofertas e prestígio religioso.
5. A Força da Espiritualidade Africana
A Bíblia, em um dos seus trechos mais esquecidos, afirma que Deus dividiu os povos e deu a cada povo o seu próprio deus. Essa frase, por si só, destrói a ideia de uma fé única e imposta. Cada povo tem a sua força espiritual, a sua forma de comunicação com o divino.
A espiritualidade africana sempre existiu — antes, durante e depois da chegada do cristianismo. Ela se manifesta no respeito aos mais velhos, na solidariedade comunitária, na harmonia com a natureza, na palavra que cura e na energia vital que flui entre nós. Nós já éramos espirituais antes de sermos religiosos.
6. A África Não Precisa de Missões, Precisa de Respeito
A mulher que ofendeu Angola saiu do país viva, saudável e em paz — justamente porque somos um povo de boa aura espiritual, que acolhe até os que nos desprezam. Mas que ninguém confunda bondade com fraqueza. Se tivesse tocado nos Ndokis ou Mulojis, talvez não tivesse voz para contar a história.
Não queremos guerra espiritual com ninguém. Mas queremos respeito. Queremos liberdade de ser quem somos, sem precisar negar os nossos deuses, os nossos ancestrais e as nossas raízes.
7. Libertar-se da Escravidão Religiosa
A libertação de África não será completa enquanto o povo preto continuar ajoelhado diante dos altares que o escravizaram. É hora de nos libertarmos da corrente invisível da escravidão cristã e reconectarmos com a essência divina que habita em nós.
Porque Deus não está em Roma, nem em Jerusalém, nem em templos de luxo. Deus está em nós, no olhar da mãe que acolhe, no suor do trabalhador, na sabedoria dos ancestrais e na energia da terra africana.
Conclusão: A Fé Que Liberta É a Que Nasce de Dentro
A religião pode unir, mas também pode destruir. O cristianismo, quando usado como arma, é uma prisão espiritual. A espiritualidade africana, quando respeitada, é liberdade, é amor, é conexão com a criação.
O povo africano não precisa que o salvem — precisa apenas que o respeitem.
Cristianismo: A Arma Ocidental Contra a África
Durante séculos, o cristianismo, vendido como mensagem de amor e salvação, foi moldado no Ocidente como uma ferramenta poderosa de dominação espiritual, econômica e cultural sobre a África. O continente, berço da humanidade e de riquíssimas tradições espirituais, viu suas civilizações serem fragmentadas não apenas por espadas e canhões, mas também por bíblias e crucifixos.
Descobrir
✍🏾 Por Bastão de Nzinga
📍 Reflexões sobre espiritualidade, identidade e descolonização do saber africano.


