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A Medicina Tradicional Africana: Sabedoria Ancestral e o seu Lugar no Mundo Contemporâneo

 

Medicina Natural, Naturopatia um conhecimento antigo sobre a medicina Africana

A medicina tradicional africana representa um vasto e antigo corpo de conhecimento sobre saúde e cura, profundamente enraizado nas diversas culturas e ecossistemas do continente. Antes do advento e disseminação da medicina científica ocidental, constituía o sistema médico predominante para inúmeras comunidades africanas, abrangendo uma abordagem holística que integra o bem-estar físico, espiritual e social. Os seus fundamentos assentam na utilização de recursos naturais, principalmente plantas medicinais (fitoterapia), mas também minerais e produtos de origem animal, combinados com práticas espirituais e rituais. 


Figuras centrais neste sistema incluem os curandeiros tradicionais, que podem ser herbalistas (especialistas em plantas), parteiras, adivinhos (que diagnosticam as causas espirituais das doenças) e outros terapeutas, cujo conhecimento é frequentemente transmitido oralmente através de gerações. Esta medicina não se foca apenas nos sintomas físicos, mas procura identificar e tratar as causas subjacentes das doenças, que muitas vezes são vistas como resultado de desequilíbrios espirituais, sociais ou morais, envolvendo a relação do indivíduo com a sua comunidade, os seus ancestrais e o mundo espiritual. O diagnóstico pode envolver métodos de adivinhação para compreender as dimensões não visíveis da enfermidade, refletindo uma cosmovisão onde o físico e o espiritual estão intrinsecamente ligados.



O declínio e o parcial esquecimento das práticas de medicina tradicional africana

O declínio e o parcial esquecimento das práticas de medicina tradicional africana podem ser atribuídos a um conjunto complexo de fatores históricos e sociais, com particular destaque para o impacto do colonialismo europeu. A chegada dos colonizadores introduziu não apenas novos sistemas políticos e económicos, mas também uma visão de mundo eurocêntrica que frequentemente desvalorizava e reprimia as culturas e conhecimentos locais. 


A medicina tradicional africana, intrinsecamente ligada a cosmovisões e práticas espirituais locais, foi muitas vezes rotulada como primitiva, supersticiosa ou associada à bruxaria pelas autoridades coloniais e missionários cristãos. Esta perspetiva levou à proibição ativa de curandeiros tradicionais em muitos territórios, à tentativa de controlar ou erradicar o uso de remédios à base de plantas e à promoção da medicina ocidental como a única forma legítima de cuidado de saúde. A construção de hospitais baseados no modelo ocidental, embora trouxesse avanços no tratamento de certas doenças, também contribuiu para marginalizar os sistemas de saúde indígenas. A imposição de línguas e sistemas educativos europeus erodiu ainda mais a transmissão oral do conhecimento tradicional, que dependia fortemente das estruturas sociais e culturais pré-coloniais. 


A urbanização e as mudanças nos modos de vida também desempenharam um papel, afastando as populações dos ambientes rurais onde o conhecimento sobre plantas medicinais era mais prevalente e acessível, e onde os laços comunitários que sustentavam as práticas tradicionais eram mais fortes. Este processo multifacetado resultou numa perda significativa de conhecimento e numa desconfiança instilada em relação às próprias tradições curativas africanas, embora estas nunca tenham desaparecido por completo, resistindo frequentemente na clandestinidade ou em sincretismo com outras práticas.

Nas últimas décadas, assiste-se a um notável ressurgimento e revalorização da medicina tradicional africana, impulsionado por uma confluência de fatores que incluem o reconhecimento da sua eficácia por parte da comunidade científica internacional, a crescente consciencialização sobre os limites e custos da medicina ocidental, e um movimento mais amplo de descolonização do saber e afirmação das identidades culturais africanas. Organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) têm vindo a destacar a importância destas práticas e a incentivar a sua integração nos sistemas nacionais de saúde, reconhecendo que uma vasta percentagem da população africana (estimada em até 80%) continua a recorrer primariamente a estes cuidados. Governos de diversos países africanos têm desenvolvido políticas e marcos regulatórios para formalizar o papel dos curandeiros tradicionais, promover a investigação sobre plantas medicinais e explorar modelos de integração que combinem o melhor dos saberes tradicionais e modernos. 


Este ressurgimento não se limita a uma simples nostalgia pelo passado; reflete uma adaptação dinâmica, onde o conhecimento ancestral é cada vez mais objeto de estudo científico para validar a sua eficácia e segurança, identificar compostos bioativos em plantas e desenvolver novos fármacos. A abordagem holística da medicina tradicional, que considera o paciente inserido no seu contexto social, cultural e espiritual, ganha também nova relevância num mundo que procura alternativas a um modelo biomédico por vezes fragmentado. A integração, contudo, enfrenta desafios significativos, incluindo a necessidade de proteger o conhecimento tradicional contra a biopirataria, garantir a segurança e a qualidade dos remédios, estabelecer sistemas de licenciamento e formação adequados, e gerir a relação por vezes tensa entre os praticantes tradicionais e os profissionais de saúde formados no modelo ocidental. Ainda assim, o movimento em direção a uma maior valorização e integração da medicina tradicional africana representa uma oportunidade promissora para alargar o acesso a cuidados de saúde culturalmente relevantes, sustentáveis e potencialmente mais acessíveis para milhões de pessoas no continente.

A evolução da ciência médica trouxe, inegavelmente, avanços extraordinários para a saúde humana, resultando em tratamentos eficazes para inúmeras doenças agudas, infecciosas e traumáticas, desenvolvimento de vacinas que erradicaram flagelos, técnicas cirúrgicas sofisticadas e um aumento significativo da esperança média de vida global. No entanto, este progresso não está isento de desvantagens e críticas, que ajudam a explicar o renovado interesse pelas medicinas tradicionais e naturais, como a africana. Uma das principais preocupações reside nos efeitos secundários de muitos medicamentos sintéticos, que podem variar de ligeiros a severos, incluindo, como mencionado, o risco de intoxicação e sobrecarga de órgãos vitais como o fígado, especialmente com o uso prolongado ou polimedicação. 


A medicina moderna, por vezes, foca-se excessivamente no tratamento dos sintomas em detrimento da abordagem das causas profundas ou do contexto holístico do paciente (corpo, mente e espírito), algo central na medicina tradicional africana. Acresce a questão do custo elevado de muitos tratamentos e fármacos, tornando-os inacessíveis para vastas populações, particularmente em países em desenvolvimento. Além disso, o próprio avanço tecnológico e as mudanças no estilo de vida moderno parecem estar associados ao surgimento ou aumento da prevalência de novas doenças crónicas e complexas (como certas alergias, doenças autoimunes e problemas relacionados com o stress), para as quais a medicina convencional nem sempre oferece soluções satisfatórias ou isentas de riscos.




Neste cenário, o retorno à medicina à base de ervas e outras práticas naturais surge como uma busca por alternativas percebidas como mais suaves, com menos efeitos adversos, mais alinhadas com uma visão integral do ser humano e do ambiente, e frequentemente mais acessíveis e sustentáveis. Representa também um desejo de reconexão com saberes ancestrais e uma abordagem mais personalizada e preventiva da saúde, procurando evitar a dependência excessiva de produtos farmacêuticos e os seus potenciais impactos negativos a longo prazo.


Referências

• “Medicina tradicional africana – Wikipédia, a enciclopédia livre”. Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Medicina_tradicional_africana (Acedido em 26 de maio de 2025).

• “Sabedorias e poderes da Medicina Tradicional Africana”. Afreaka. Disponível em: http://www.afreaka.com.br/notas/sabedorias-e-poderes-da-medicina-tradicional-africana/ (Acedido em 26 de maio de 2025).

• Abdullahi, A. A. “Trends and Challenges of Traditional Medicine in Africa”. African Journal of Traditional, Complementary and Alternative Medicines, vol. 8, nº 5S, 2011, pp. 115–23.

• Onwuanibe, Richard C. “The Philosophy of African Medical Practice”.

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