A Maldição Familiar é Mesmo Espiritual ou Social? Uma Reflexão Necessária sobre a sociedade africana.
Em muitas famílias africanas, especialmente entre as camadas mais pobres, é comum ouvir que o insucesso de um jovem é resultado de uma maldição espiritual familiar ou de uma suposta perseguição invisível.
Mas será que isso é mesmo uma questão espiritual? Ou estamos diante de um problema psicossocial que vem se repetindo por gerações?
UM OLHAR SOBRE AS DIFERENÇAS SOCIAIS
Curiosamente, raramente ouvimos jovens de famílias bem posicionadas socialmente dizerem que seus fracassos vêm de maldições. Por que será?
É importante lembrar que, no conceito africano de família, falamos de um conjunto amplo — pais, tios, primos, avós e netos — uma verdadeira comunidade interligada. Dentro desse contexto, é visível que há famílias que, ao longo das gerações, mantêm uma boa história social e até talentos naturais — seja na arte, na política, no desporto ou nos negócios — que as ajudam a prosperar.
No entanto, isso não significa que essas famílias estejam livres de problemas. Também enfrentam doenças, perdas e desafios emocionais. A diferença é que, na maioria dos casos, conseguem lidar com as dificuldades de forma mais estruturada e resiliente, o que faz parecer que estão “abençoadas”.
A POBREZA E A INTERPRETAÇÃO DO FRACASSO
Agora imaginemos o mesmo tipo de problema — doença, perda, rejeição — acontecendo numa família pobre. A diferença é que, para além dessas dificuldades, há ainda a falta de recursos, de oportunidades e de habilidades técnicas ou acadêmicas.
Logo, o peso dos problemas é maior, e a explicação encontrada é simples: “Estamos amaldiçoados.”
Mas será mesmo?
O VERDADEIRO PESO DA DECADÊNCIA PSICOSSOCIAL
Nos dias de hoje, é comum ver jovens de famílias humildes que não se esforçam para mudar os paradigmas sociais e financeiros da sua geração.
Gastam energia em relacionamentos instáveis, publicações nas redes sociais com bebidas e festas, e raramente buscam amizades intelectuais ou oportunidades de crescimento.
Muitos não têm networking, não desenvolvem habilidades profissionais, e quando ganham algum dinheiro, gastam em futilidades — roupas, ténis, perucas — sem pensar em investimento pessoal ou formação.
Diante dessa realidade, é justo culpar uma maldição espiritual?
Ou será que a verdadeira maldição é a falta de visão, disciplina e propósito?
A “MALDIÇÃO” QUE VEM DO DE DENTRO
Se olharmos com atenção, veremos que muitos dos que dizem estar amaldiçoados são os mesmos que desistiram cedo demais dos próprios sonhos.
Repetem padrões de fracasso e transmitem aos filhos a mesma mentalidade de impotência e dependência espiritual, criando um ciclo de conformismo.
A “maldição familiar” acaba, então, sendo uma crença aprendida, uma herança mental de fracasso e não um feitiço lançado.
E O PAPEL DA RELIGIÃO?
Outro ponto interessante é que muitos desses jovens e famílias são profundamente religiosos. Frequentam igrejas com dedicação, participam de campanhas e rituais, e ainda assim não veem transformação real em suas vidas.
Se o problema fosse puramente espiritual — e o pastor tivesse o poder de Deus para quebrar maldições —, por que a vida dessas pessoas continua igual?
A resposta é simples: o problema não é espiritual, é psicossocial.
É uma questão de mentalidade, educação, autoestima e falta de objetivos bem definidos.
CONCLUSÃO
A verdadeira libertação familiar não virá de orações ou rituais, mas sim da mudança de pensamento e comportamento.
Quando uma geração decide estudar, trabalhar, investir em si mesma e quebrar padrões de acomodação, a “maldição” desaparece naturalmente.
Porque, no fim das contas, o que muitos chamam de maldição é, na verdade, a ausência de ação e consciência social. Não estamos a negar a existência de energias de baixo austral, mas estamos a apelar a mudança de consciência.