A Bíblia e Suas Contradições no Contexto da Escravidão: O Livro Sagrado que Serviu à Corrente
Afrocentricidade, Consciência e Verdade
Por séculos, o livro mais lido do mundo foi usado como espada e algema. A Bíblia, tida como palavra de Deus, foi citada em discursos de reis, senhores de escravos, missionários e colonizadores para justificar o tráfico humano, o racismo, a submissão do negro e a destruição de culturas inteiras — especialmente as culturas africanas. Mas aqui surge a pergunta incômoda que muitos evitam:
Como um livro sagrado pode carregar mensagens tão contraditórias sobre a dignidade humana, especialmente quando se trata da escravidão?
1. A Bíblia Apoia ou Condena a Escravidão?
A resposta nua e crua: A Bíblia nunca condenou diretamente a escravidão. Muito pelo contrário, ela regulamenta, tolera e normaliza a prática como parte da vida social.
No Antigo Testamento:
- Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre… — Êxodo 21:2
- Os teus escravos e escravas que tiveres serão das nações que estão ao redor de vós… — Levítico 25:44
- Se um homem ferir o seu escravo… e este morrer, será castigado. Mas se sobreviver por um ou dois dias, não será punido, porque é propriedade dele. — Êxodo 21:20-21
No Novo Testamento:
- “Servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne com temor e tremor…” — Efésios 6:5
- “Cada um permaneça na vocação em que foi chamado… foste chamado sendo escravo? Não te preocupes com isso.” — 1 Coríntios 7:20-21
Nenhum profeta, nenhum apóstolo e nem mesmo Jesus condenaram explicitamente a escravidão como um mal a ser extinto.
2. A Contradição: Amor e Escravidão no Mesmo Livro?
A Bíblia diz que Deus é amor. Diz que todos são iguais perante Ele. Mas esse mesmo livro permite que um homem trate outro como propriedade, desde que respeite certas regras. Isso é amor? Isso é justiça divina?
Imagine dizer a um povo escravizado por séculos que Deus o ama — ao mesmo tempo em que aceita a estrutura que o oprime.
Isso não é fé. É manipulação.
3. Como a Bíblia Foi Usada no Colonialismo e na Escravidão Transatlântica
Missionários europeus levavam a Bíblia numa mão e a cruz na outra, enquanto o soldado vinha atrás com correntes.
A estratégia era clara:
- Enfraquecer as crenças espirituais africanas (chamadas de “feitiçaria” ou “coisa do demônio”);
- Substituir os Deuses africanos por um Deus europeu;
- Ensinar passagens bíblicas que falam de obediência, submissão e humildade aos “servos”;
- Prometer o céu para os sofredores e o inferno para os rebeldes.
Assim, o africano era catequizado para aceitar sua dor como vontade divina, enquanto o europeu era “abençoado” com poder, terras e riquezas.
4. A Bíblia Também Libertou? Ou Foi o Espírito dos Oprimidos?
Sim, há quem diga que a Bíblia também inspirou libertações — como o êxodo de Moisés ou os salmos de lamento. Mas sejamos honestos: A libertação não foi produto do texto, mas da consciência que resistiu à opressão.
Foi o espírito dos ancestrais, a memória dos orixás, inkices e voduns, a fé na vida que pulsava, que empurrou os povos escravizados a romper correntes.
A Bíblia não libertou Zumbi. Nem Gungunhana. Nem Nzinga.
Quem libertou foram os pés que correram, as mãos que lutaram, os corações que não aceitaram o jugo.
5. Descolonizar a Fé é Urgente
Se queremos uma espiritualidade verdadeira, ela não pode nascer da pena do opressor.
Não pode vir de um livro usado para justificar séculos de massacre, exploração e lavagem cerebral.
O problema não é o “Deus” em si — mas a forma como ele foi descrito, manipulado, reinventado e imposto.
Conclusão: Uma Fé Que Liberta Não Pode Vir de Correntes
Chegou a hora de rasgar os véus do fanatismo e ver a Bíblia pelo que ela é: um documento histórico, político, contraditório e humano.
Não é a Palavra de Deus — é a palavra de homens. E muitos desses homens foram opressores.
A espiritualidade africana vive. Ela não precisa de Bíblia, nem de padre, nem de pastor. Precisa apenas de consciência, conexão com os ancestrais, respeito à natureza e coragem para pensar por si.
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